Mulheres: violência crônica, mortes evitáveis

De cada dez mulheres mortas, três já tinham sofrido agressões. Leia também: o espanto seletivo de Ricardo Salles; governo agora quer médicos cubanos; e muito mais

Jenny Saville, “Reverse”

 

MULHERES: VIOLÊNCIA CRÔNICA, MORTES EVITÁVEIS

Um estudo do Ministério da Saúde cruzou registros de óbitos e atendimentos na rede pública de 2011 a 2016 e revelou que, a cada dez mulheres mortas por causas ligadas à violência, três eram agredidas frequentemente e já tinham procurado serviços de saúde por conta dos ferimentos – ou seja, suas mortes eram preveníveis. O levantamento incluiu todas as faixas etárias. Foram analisadas mais de seis mil óbitos no período: entre eles, foram 294 crianças de até 9 anos que sofriam violência crônica, e 752 mulheres com 60 anos ou mais. 

Os pesquisadores compararam os riscos de morte por causas violentas entre as mulheres que já tinham sido agredidas e as que não tinham histórico, e o resultado foi impressionante. Por exemplo, entre adolescentes, o risco de morrer por homicídio ou suicídio era 90 vezes maior. Auto lesões foram encontradas em 40% das mulheres mortas que já sofriam agressões. E no período estudado, a cada dia morreram três mulheres que já tinham buscado atendimento por agressão. “Se medidas de proteção tivessem sido adotadas, talvez boa parte desses óbitos pudesse ter sido evitada”, disse ao Estadão a diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério, Maria de Fátima Marinho Souza, que coordenou a pesquisa. Ela lembrou que os números não incluem os atendimentos no serviço privado e, se incluíssem, certamente os resultados seriam ainda mais expressivos.

Mais de um terço das vítimas vivia em municípios pequenos, de até 50 mil habitantes. Entre as adolescentes e jovens, a maioria são negras; já entre crianças, adultas e idosas, há mais brancas. Mas, em todas as fases da vida, o que se destaca mesmo é a baixa escolaridade, que foi maioria entre jovens (61,5%), adultas (66,25) e idosas (83,7%). Esta outra matéria, também do Estadão, fala da importância de ter não só o acesso à escola mas também de uma escola que seja um bom espaço de informação sobre esse tipo de violência. “Impedir a discussão, sobretudo das questões de gênero, é desperdiçar uma oportunidade de prevenção”, disse a ex-subsecretária de políticas públicas do governo do Distrito Federal, Alexandra Costa, referindo-se ao Escola sem Partido. Como metade dos abusos contra crianças acontece em casa, muitas vezes a escola é o primeiro ponto de apoio que elas têm para interromper o ciclo de violência. 

Aliás, a maioria dos brasileiros é favorável  à educação sexual e ao debate de temas políticos nas escolas, segundo uma pesquisa do Datafolha divulgada ontem. 

ESPANTO SELETIVO

A presidente do Ibama, Suely Araújo, pediu exoneração ontem. Ela ia sair de todo modo, porque o procurador da União Eduardo Fortunato Bim já tinha sido indicado para comandar o órgão. Mas o pedido veio logo depois que, no domingo, o novo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez no Twitter um post criticando um contrato do Ibama para aluguel de carros no valor de R$ 28,7 milhões. Bolsonaro compartilhou com comentários sobre como o sistema “violenta financeiramente o brasileiro”, depois apagou. E Suely divulgou uma nota ontem informando que se trata do aluguel de 393 caminhonetes para todo o território nacional, incluindo combustível, seguro etc. 

De todo modo, o espanto de Ricardo Salles é meio seletivo, como mostra o De Olho nos Ruralistas. Os carros usados para o deslocamento de ministros e outras autoridades do alto escalão em Brasília custam R$ 54 milhões anuais, quase o dobro do contrato do Ibama criticado. Já a Câmara dos Deputados gasta por ano, com 77 carros, uns 15 milhões – ou seja, mais de metade do que o Ibama vai gastar para as 393 caminhonetes que fiscalizam ataques ao ambiente. O texto lembra ainda que, no caso do Ibama, as viaturas precisam chegar a lugares de difícil acesso, portanto precisam ser picapes adaptadas para atenderem emergências florestais, como incêndios e resgates de animais. O seguro é necessário porque alguns veículos do Ibama têm sido alvo de ataques durante o trabalho. 

AINDA O FIM DO CONSEA

Falamos ontem sobre como Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Consea, e o G1 publicou uma entrevista com a ex-presidente do Conselho, Maria Emília Pacheco. Segundo ela, há um “desmonte profundo” na política de segurança alimentar que está  muito além do fim da participação social nessa área: “Não dá para entender a política de segurança alimentar e nutricional se não estivermos atentos como ela interage com muitas outras políticas. O Ministério da Agricultura, no governo Bolsonaro, passa a ser um superministério, o que reafirma, de forma categórica, a hegemonia do agronegócio. Isto impacta a vida das populações, porque é para este ministério também que se deslocou a atribuição de cuidar dos indígenas e dos quilombolas. (…) Portanto, é preciso analisar de forma mais profunda o que está acontecendo com a política indigenista, ambiental, relacionada à segurança alimentar. Se formos analisando cada aspecto desses no diálogo com a política ambiental vamos ver que a política de segurança alimentar e nutricional está desmoronada”. 

PENTE FINO

Um dos primeiros atos de Mandetta como ministro da Saúde foi determinar uma auditoria nos recursos transferidos para a saúde indígena. Oito instituições concentram os convênios de cooperação, e no ano passado elas receberam R$ 611,9 milhões. Mandetta já disse que é muito dinheiro para pouco resultado, e ele afirma que a prestação de contas é confusa, porque algumas instituições terceirizam serviços e ainda pagam ONGs. 

SEM DEDUÇÕES

Bolsonaro sancionou uma lei – baseada na MP editada por Temer após o incêndio do Museu Nacional – autorizando a administração pública a executar projetos com organizações gestoras de fundos patrimoniais. Vai ser possível arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para várias áreas, entre elas saúde, educação, segurança pública e meio ambiente. Mas ele vetou algumas partes, como o capítulo que previa deduções fiscais relativas às doações. 

E por falar em deduções, uma singela sugestão do Intercept é acabar com outro tipo de incentivo fiscal: a mamata das isenções no setor de agrotóxicos, que deixa de pagar um bilhão de reais por ano em impostos. 

MAIS MÉDICOS

Mayra Pinheiro, que agora é responsável pelo Mais Médicos, sempre criticou a presença dos cubanos e muitas vezes já disse claramente que duvidava de seus diplomas. Agora, ela mandou uma mensagem carinhosa de voz dirigindo-se àqueles que não quiseram voltar para Cuba. Chama-os de “colegas” e “irmãos”, pede que preencham um formulário e diz que o governo analisa editar uma medida provisória que possa garantir a permanência deles no programa Mais Saúde, que, segundo seus planos, deve substituir o Mais Médicos. 

E começou ontem (vai até o dia 10) o prazo para brasileiros com registro que se inscreveram na segunda etapa do edital se apresentarem nos municípios. Foram 2.549 vagas em 1.197 cidades e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas, e  1.707 médicos escolheram localidades. 

CIÊNCIA ESTRANHA

Aconteceu numa importante conferência na Índia: um palestrante disse que a pesquisa com células-tronco começou há milhares de anos com os hindus; outro garantiu que o rei demônio do Ramayana, épico religioso hindu, tinha 24 tipos de aeronaves e uma rede de pistas de pouso; outro contestou as descobertas de Newton e Einstein. O secretário-geral da Associação Indiana de Congressos Científicos manifestou uma “séria séria preocupação com esse tipo de declaração”. O jornalista da BBC Soutik Biswas conta que a Índia tem uma rica tradição de cientistas de destaque, mas ao mesmo tempo tem também muita pseudociência – algo que parece estar crescendo com a gestão do primeiro-ministro Narendra Modi, do partido nacionalista hindu BJP. O próprio Modi já afirmou que a história do deus hindu Ganesha (que tem corpo humano e cabeça de elefante) comprova com cirurgias existem na Índia há milhares de anos. E muitas outras autoridades dizem barbaridades semelhantes. “Em janeiro de 2017, o secretário da Educação do Estado de Rajastão, no oeste do país, declarou que era importante ‘entender o significado científico da vaca, já que era o único animal do mundo a inspirar e expirar oxigênio”, lembra a matéria. 

BOAS NOVAS 

Há algum tempo se indica que uma das melhores coisas pra preservar a memória de quem tem Alzheimeré praticar exercícios. Pois agora há uma boa explicação sobre por que isso funciona: uma pesquisa com camundongos mostrou que um hormônio chamado irisina, liberado após os exercícios, de fato atua no cérebro protegendo neurônios e facilitando a comunicação entre eles. O estudo foi liderado por Fernanda De Felice e Sergio Ferreira, pesquisadores da UFRJ, e os resultados foram publicados ontem na Nature Medicine. São pra lá de animadores. Os camundongos usados já não tinham memória alguma e eram incapazes de aprender tarefas, mas, com cinco semanas praticando uma hora de natação por dia (ou recebendo a irisina manipulada em laboratório), a memória voltou e eles ficaram indistinguíveis dos animais saudáveis. Não é garantia de que o resultado seria o mesmo com humanos, claro. Mas é um bom caminho para pesquisas futuras, tanto de prevenção como de tratamento a partir da irisina.

NÃO BASTA MUDAR A LEI

Em 2018 um referendo derrubou a proibição do aborto na Irlanda e, no começo deste ano, o país começou a aplicar a nova lei de interrupção da gravidez. Mas as coisas estão difíceis. Ativistas de grupos antiaborto se concentram nas portas de hospitais e clínicas que praticam o procedimento para hostilizar as mulheres, e o governo estuda estabelecer perímetros de segurança.

EMERGÊNCIA NO DF

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), decretou ontem estado de emergência na Saúde. O governo local vai ficar liberado de cumprir algumas normas e vai poder, entre outras coisas,  contratar servidores, aumentar a carga horária e comprar remédios sem licitação. 

E NO CEARÁ…

Há quase uma semana começaram ataques em pelo menos 36 municípios cearenses, e já foram 150  atentados atingindo ônibus, vans, lojas… Parecem estar sendo comandados de dentro de presídios e, segundo o o secretário da Casa Civil Élcio Batista, braço direito do governador Camilo  Santana (PT), são uma resposta a mudanças no sistema prisional. Entre elas, estão o isolamento de líderes de grupos de crime organizado e a proibição do ingresso de celulares e visitas íntimas.O estado pediu apoio da Força Nacional. 

GREVE DE FOME

Centenas de palestinos detidos em Israel preparam uma greve de fome, porque Israel anunciou que pretende piorar ainda mais as condições em que os prisioneiros são mantidos. Uma das resoluções é deixar de separar prisioneiros do Hamas e do Fatah, o que pode levar a graves conflitos e mortes. Mas há ainda medidas como racionar a água, reduzir as visitas familiares e impedir o acesso a cantinas – sendo que é basicamente nas cantinas que os detentos se alimentam. Há hoje 5,5 mil prisioneiros palestinos.