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Por que o desemprego aumentou mais para negros do que brancos na pandemia

Por que o desemprego aumentou mais para negros do que brancos na pandemia Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo 16/09/2020 04h00 O impacto da pandemia no mercado de trabalho fez com que a diferença da taxa de desemprego entre brancos e pretos aumentasse e atingisse seu maior nível desde 2012, quando começou a atual pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo especialistas consultados pelo UOL, isso aconteceu porque a crise provocada pelo coronavírus atingiu principalmente atividades econômicas com maior participação de negros, como comércio e construção civil. 

No segundo trimestre deste ano, o primeiro completo sob os efeitos da pandemia, a taxa de desemprego geral ficou em 13,3%, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE. Ao analisar o dado de acordo com a cor da pele, a taxa de desemprego de pretos ficou em 17,8%, de pardos, 15,4%, e de brancos, 10,4%…. –

Construção e comércio foram muito impactados
De acordo com o IBGE, todos os setores analisados pela pesquisa tiveram queda no número de trabalhadores empregados no segundo trimestre, em comparação com o primeiro. Alguns, porém, foram mais impactados. O instituto destaca os setores que mais tiveram perda de trabalhadores, do primeiro para o segundo trimestre deste ano:

Comércio: menos 2,1 milhões (-12,3%)

Alojamento e alimentação: menos 1,3 milhão (-25,2%)

Serviços domésticos: menos 1,3 milhão (-21,1%)

Construção: menos 1,1 milhão (-16,6%)

A participação de negros no setor de comércio, por exemplo, é de 45,2%, contra 44,2% de brancos, de acordo com dados do Ceert com base na Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2018.
Com informais, diferença seria maior Esses números levam em conta apenas trabalhadores com carteira assinada. Se fossem incluídos os informais, a diferença entre os grupos poderia ser ainda maior. “Os negros são os que mais sofrem com a informalidade”, afirma Mário Rogério Silva.

“O setor informal, de uma maneira geral, foi mais afetado do que outros segmentos. O setor de serviços, de comércio, que abriga boa parte da informalidade e da baixa renda, (foi impactado) por causa do isolamento social”, diz Marcelo Neri. Desemprego é só ‘a ponta do iceberg’ Marcelo Neri destaca, porém, que a taxa de desemprego é apenas “a ponta do iceberg”.
Marcelo Neri destaca, porém, que a taxa de desemprego é apenas “a ponta do iceberg”. Outros indicadores de trabalho evidenciam como pretos e pardos (que compõem a população negra, de acordo com as estatísticas oficias) foram mais impactados do que brancos pela pandemia.

A renda, o número de horas trabalhadas e a taxa de participação no mercado de trabalho também caíram mais para esses grupos do primeiro para o segundo trimestre do ano, de acordo com os dados da FGV Social, com base na Pnad Contínua: Renda Pretos: -21,8% Pardos: -21,4% Brancos: -20,1% Horas trabalhadas Pretos: -16,9% Pardos: -15,2% Brancos: -13,1% Taxa de participação no mercado Pretos: -9,3% Pardos: -9,8% Brancos
Brancos: -7,2% .

“São uma série de efeitos ligados ao esforço de trabalho que se somam. Não é só o desemprego. O desemprego (significa que) tem menos gente no mercado. Mais pretos e pardos saíram do mercado, e aqueles que continuaram no mercado, trabalharam menos horas”, afirma Neri. “São diferenças de 2 ou 3 pontos percentuais, mas que vão se acumulando. Você vai ver que a diferença (entre negros e brancos) não é de 1,5 (ponto percentual). A diferença é de 5, em termos do esforço de trabalho.”
Diferença ainda deve aumentar Para os especialistas é provável que a situação piore ainda mais em um futuro próximo. Marcelo Neri diz que o aumento no desemprego poderia ser ainda maior se não fosse a medida emergencial do governo que permitiu que as empresas reduzissem a jornada e salário de parte de seus funcionários, como contrapartida para manutenção dos empregos. A medida, porém, é temporária.

“Talvez esses efeitos (no mercado) que a gente esteja vendo agora, que são efeitos muito fortes, sejam só o começo. A gente fala ‘a taxa de ocupação caiu 9,9% (no segundo trimestre), nunca caiu tanto’. Mas se a jornada não tivesse caído, (a taxa de ocupação) teria caído 22%. Então poderia ser pior. Só que o problema é que não está se dando uma solução definitiva para isso, até porque os recursos fiscais são limitados”, afirma o diretor da FGV Social. Mário Rogério Silva diz que a perspectiva do fim do auxílio emergencial também irá impactar principalmente a população negra, que compõe a maior parte dos trabalhadores informais —um dos grupos beneficiados pelo auxílio.

“Isso só vai aprofundar essa crise que vem caminhando tão fortemente, que está afetando desigualmente a população. A população negra tem tido um impacto muito forte e a gente não consegue visualizar um caminho melhor se o governo não repensar essa distribuição de renda e esse apoio que, apesar de pequeno, é tão importante para as famílias de baixa renda”. afirma o sociólogo.

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